...com Professor Draculino, ganhador do Legacy Hall Award.
Uma das coisas que diferenciam a abordagem da Gracie Barra é nossa filosofia de levar o “Jiu-Jitsu para todos”. Muitas academias concentram fortemente suas atenções e direcionam seus treinos para os competidores mais jovens. Isso acaba excluindo outros grupos que se beneficiariam da prática do Jiu-Jitsu em suas vidas. Entre eles, está o dos alunos e alunas com 50 anos ou mais, cujo treinamento precisa ser preparado e conduzido com algumas diferenças.
Draculino é um atleta e professor da GB que já passou dos 50. Muito ativo e em plena forma, ele segue em alto nível após décadas de tatame. Nós conversamos com ele para saber mais sobre sua rotina e como tem mantido a boa forma nos treinos de Jiu-Jitsu. O Professor Draculino foi homenageado com o Legacy Award em 2013, ao completar 25 anos de serviços dedicados à Gracie Barra, e com o Coach’s Legacy Hall Award em 2021, em reconhecimento pelo seu excelente desempenho como treinador de atletas para competições.
Draculino treina há quase 40 anos. Ao refletir sobre todo o seu histórico, ele identifica alguns hábitos que o ajudaram a manter a longevidade no Jiu-Jitsu.
Bons hábitos para uma longa carreira no Jiu-Jitsu
“Acho que o ponto mais importante é a persistência. O hábito de seguir a rotina e enfrentar o seu próprio ego todos os dias. Todo mundo tem seu ego. Eu tenho, todos nós temos”, ele admite.
“Qualquer pessoa, seja quem for, quando se vê diante de um treinamento ou competição, pensa: 'Cara, eu posso acabar perdendo, ser finalizado, ser amassado aqui. E a coisa vai ficar feia pra mim.’ Diante disso, muitos podem achar que o caminho mais seguro é sequer tentar.”
Este tipo de coisa passa pela cabeça de todos nós, do faixa-branca iniciante aos lutadores profissionais com dezenas de lutas no cartel. É o medo de perder, de ser dominado diante dos seus amigos, companheiros de time e espectadores. Todos temos esses pensamentos de vez em quando.
O Professor Draculino vai direto ao ponto: “Isso já passou pela cabeça de todo mundo em algum momento, e se alguém me disser o contrário... É mentira.”
“Mas não tentar é pior. É se esconder atrás do ego. É claro que, nessas horas, o caminho mais seguro parece ser nem tentar. Nem mesmo treinar. Como dizem por aí, só vestir o kimono e não fazer nada, só falando aos outros o que fazer.”
Não podemos vencer a natureza
“Claro que você tem que se esforçar. Claro que precisa se motivar, mas faça isso com inteligência. Você sabe que não pode ir contra a natureza. É simples assim”, diz ele, encolhendo os ombros.
O Professor Draculino reforça a ideia de que os atletas de Jiu-Jitsu acima dos 50 devem levar sua condição física em conta na hora de definir a intensidade dos treinos e com quem irá praticar. Caso contrário, aumentam muito os riscos de lesão e de terem que se afastar dos tatames.
“Se você é um praticante com mais de 50 como eu, com seus 70 a 72 kg, por exemplo, não terá muito a agregar ao seu Jiu-Jitsu e à sua saúde se treinar com um jovem atleta bem mais pesado que você e que está no topo do ranking mundial.
Nesse caso, ou ele vai te amassar e, ao tentar manter o ritmo para enfrentá-lo, você pode se machucar, ou ele vai pegar bem mais leve e deixar você fazer o que quiser. Mas aí não será um treino de verdade.”
Escolha os parceiros certos
O Professor Draculino reconhece que os alunos da GB com mais idade devem ser criteriosos na hora de escolher seus parceiros de treino. Pode não ser algo tão satisfatório para quem tem um perfil mais competitivo, mas é uma estratégia sábia para garantir sua longevidade nos tatames.
“Então, voltando ao tema: você tem que ser inteligente na hora de escolher seus parceiros de treino. É interessante enfrentar alguém que, ao mesmo tempo, seja competitivo, mas que também minimize suas chances de se machucar.”
Para um melhor treino, o Professor sugere buscar uma dupla adequada em termos de idade, peso, objetivos e experiência. Alguém que combine bem com o seu estilo, que possa oferecer um embate desafiador e de ritmo acelerado, mas que não seja muito mais pesado ou mais jovem a ponto de aumentar suas chances de lesão.
“Então, encontre alguém competitivo para você e pratique com ele por vários rounds. Você também pode encontrar mais de um parceiro de treino com o nível adequado ao seu perfil. Com certeza, isso ajudará a seguir melhorando e colhendo os benefícios do Jiu-Jitsu.”
Por outro lado, quando alguns atletas mais velhos não conseguem aceitar as restrições da idade, podem ter problemas. Eles querem treinar como os mais jovens e o ego pode levá-los a se esforçarem além de suas capacidades físicas. Com isso, correm o risco de sofrer uma lesão e prejudicar todo o seu progresso. Então, podemos dizer que o segredo da longevidade passa por aceitar algumas limitações.
“Nós não podemos enganar a natureza. É o que eu sempre digo: a natureza é a natureza. Aos 50, você já não terá as mesmas condições de um jovem de 23, 25, ou mesmo de trinta e poucos anos. Não tem como. Mas então, o que fazer? Simplesmente declarar sua derrota e desistir?” diz ele, brincando com as mãos para cima em sinal de rendição. “Não! Basta enfrentar a situação de forma mais inteligente.”
O ego é seu maior inimigo
Mas e aqueles atletas com mais de 50 que têm dificuldades em aceitar as limitações impostas pela “mãe natureza” e não conseguem reconhecer que sua capacidade física diminuiu com o avanço da idade? Existe o risco de se esforçarem demais e acabarem se lesionando nos treinos?
O Professor Draculino responde que sim: “100% deles terão problemas com lesões ou simplesmente acabarão parando de treinar. Porque eles são muito competitivos. O ego deles é tão alto que todo treinamento vira uma potencial ameaça de serem finalizados em público. Ser derrotado pode machucar muito o orgulho de pessoas assim.”
E como treinar duro quando já se tem mais idade?
“Algumas pessoas realmente querem entrar no tatame e dar tudo de si.”
O próprio Draculino assume ser muito competitivo e é do tipo de atleta que busca por treinos de alta intensidade no Jiu-Jitsu. “Mas quando faço isso, sempre me certifico de que estou bem aquecido e sem qualquer lesão.”
Ele conta como pratica em alta intensidade com um parceiro de treino, o Professor Lucas Valente (um de seus faixas-pretas), que é competidor ativo e de alto nível.
“De vez em quando eu o chamo e digo: ‘Lucas, vamos lá!'.
Ele é um dos melhores atletas de Jiu-Jitsu do mundo na atualidade. Então, lá vamos nós! Mas é uma vez só. Um round. E o Lucas me conhece. Ele não vai tentar me matar, mas me dará uma boa oportunidade para praticar.”
Por isso, ter parceiros de treinamento confiáveis e regulares é extremamente importante.
“Assim, você consegue fazer esses rolas de alta intensidade em um ambiente controlado, de forma que a sua dupla (mais jovem ou mais graduada) possa lhe oferecer um treino bem competitivo, mas sem tentar arrancar a sua cabeça.”
Tenha cautela com alguns parceiros de treino
No entanto, nem todos os alunos conseguem ficar, digamos... “relaxados” e controlados quando o cronômetro começa a contar.
“Parece ser algo mais forte do que algumas pessoas, sabe? Mesmo se elas rolassem com suas avós, lutariam para arrancar a cabeça delas”, diz ele, rindo. “Elas vão jogar o oponente contra a parede. Simplesmente não conseguem se controlar. Muita gente é assim. Então, o que podemos fazer? Você vai treinar com esses caras todos os dias? Não parece ser uma decisão inteligente.”
É preciso lutar contra o ego o tempo todo
O Professor Draculino convida os alunos da GB com mais de 50 a refletirem sobre o papel do ego em seus treinos. “Acho que toda essa questão gira em torno do ego. Temos que lutar contra ele o tempo todo.”
Talvez você esperasse uma resposta diferente e mais convencional sobre o segredo para a longevidade no Jiu-Jitsu, do tipo “você precisa dormir cedo e descansar” ou “você precisa trabalhar duro no tatame”. Mas, ao invés disso, o Professor Draculino nos pede para examinar a influência do ego em nossa rotina de treinos. E ele é direto: “Isso é o mais importante”.
Por que alguns seguem e outros desistem?
Mas e aquele aluno de Jiu-Jitsu com mais de 50 que quer superar todos os seus limites no tatame? Talvez sejam pessoas muito bem-sucedidas em outras áreas da vida e que, naturalmente, também querem esse sucesso nos treinos. Alguns alunos conseguem seguir muito bem depois dos 50 anos e curtir o Jiu-Jitsu como parte de suas vidas, outros não, e logo desistem.
Perguntamos ao Professor Draculino quais seriam as razões, na opinião dele, para alguns desses praticantes se saírem tão bem e outros nem tanto. É algo na maneira como encaram seus treinamentos?
“Há sempre o fator natureza. Algumas pessoas são mais talentosas do que as outras. Algumas têm mais espírito para isso, simplesmente nasceram para serem boas nessa área, enquanto outras têm mais limitações.”
Mas, para o Professor, o grande benefício de treinar Jiu-Jitsu não está no resultado final, e sim no processo. Está na disciplina e na prática diária que nos leva a sermos as melhores versões de nós mesmos.
“Todos podemos colher os benefícios do Jiu-Jitsu conforme a realidade de cada um. Para mim, se a pessoa segue tentando, treinando firme, sinceramente, não muda muito se ela será ou não uma campeã nas competições. O importante é que ela está tentando. O que importa é o processo. É se esforçar para estar no seu melhor.”
Draculino acrescenta: “E se decidirem participar de uma competição, não importa quem seja, elas não chegarão sem qualquer preparo. Elas terão treinado duro, estarão se alimentando melhor, descansando mais. Então, o Jiu-Jitsu delas seguirá melhorando.”
O importante não são as medalhas
Perguntamos ao Professor Draculino sobre os alunos recreativos e que não estão focados nas competições. Qual o principal benefício para aquele praticante com mais de 50 que não tem como meta vencer a divisão Masters do Mundial? O que o Jiu-Jitsu pode oferecer de positivo?
O Professor responde: “O mais importante é que elas estão trabalhando sua saúde física, mental e espiritual. O que pode ser mais valioso do que isso na vida?
É algo muito mais importante do que uma medalha ou um torneio. Desde que sigam tentando, se dedicando, que tenham persistência e mantenham uma rotina, elas continuarão melhorando em suas vidas.”
O Jiu-Jitsu é minha terapia
“Para mim, na minha realidade, isso é o mais importante atualmente. Eu treino mais para a saúde mental e espiritual do que pela questão física hoje em dia. O Jiu-Jitsu é a minha terapia. Me deixa em paz comigo mesmo.”
O Professor Draculino prossegue: “Eu sou, naturalmente, uma pessoa agressiva. Minha reação natural às coisas é ser agressivo. E o Jiu-Jitsu ajuda a colocar isso no controle. Tenho muito mais controle sobre mim desde que comecei a treinar.”
Para o Professor, treinar é uma maneira de descarregar sua energia agressiva de forma produtiva. Depois de vários rounds no tatame, ele se sente mais relaxado e lida com os pequenos problemas da vida com mais facilidade.
“Quando não consigo treinar, esse meu lado começa a dar sinais. E isso não é bom. Digo, não sou super agressivo, mas costumo ser um pouco mal-humorado. Um pouco rude em algumas situações e com algumas pessoas. Depois do Jiu-Jitsu eu fico tranquilo. Fico mais relaxado. Também no lado espiritual. Me sinto em paz comigo mesmo. Sinto aquela sensação de dever cumprido, de estar com o corpo e a mente saudáveis. Portanto, esses dois lados – o mental e o espiritual – são muito mais importantes do que a saúde física.”
Regras do Professor Draculino para os alunos de Jiu-Jitsu com mais de 50
Antes de tudo... Sempre tente lutar contra o seu ego. É a regra número um.
Número dois: sempre se aqueça antes do treino.
E, por fim, lembre-se de que sua trajetória é mais importante que o destino.
Veja os benefícios que o Jiu-Jitsu está trazendo para você.
O Professor Draculino reforça que a jornada vale muito mais do que uma medalha em um torneio. “Não estou dizendo para você não competir nos campeonatos. É algo ótimo, incrível. Por décadas, eu competi em busca de resultados, e eu só me importava com isso: resultados. Mas agora vejo que, embora os resultados tenham sido legais, o que o Jiu-Jitsu me ofereceu como pessoa foi MUITO mais importante do que as medalhas. Então, este é o meu conselho. Você irá se tornar uma pessoa melhor, vai viver melhor, independentemente de vencer as competições.”
Experimente!
E antes de iniciar sua próxima aula na GB Houston (EUA), o Professor Draculino quis nos deixar uma mensagem final: “Quanto mais velhos ficamos, mais inteligentes precisamos ser com a nossa saúde. O Jiu-Jitsu é capaz de melhorar a vida de quem já passou dos 40. Falo por experiência própria. Então, eu certamente recomendo a todos que experimentem. Se você nunca treinou Jiu-Jitsu, esse é o meu conselho: experimente. Tenho certeza de que o Jiu-Jitsu pode mudar a sua vida para melhor de uma forma inteligente.”
Blog escrito originalmente em inglês por Mark Mullen, faixa-preta da Gracie Barra